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O quadro já era conhecido, a cada começo de ano, durante os meses da quadra chuvosa - fevereiro, março, abril e maio -, principalmente, o número de casos de Dengue aumentavam. Há alguns anos, desde o começo da década de 1980, mais precisamente, é assim no Ceará. Os números do período coincidem com a época em que mais há o que o mosquito Aedes aegypti ‘gosta’: água para se reproduzir.

No entanto, desde 2014, outras duas doenças também transmitidas pelo mosquito Aedes assombram a população do Estado. Naquele ano foram registrados os primeiros casos de febre Chikungunya e do vírus Zika. De lá pra cá, 33 pessoas morreram por Chikungunya, cerca de 7 bebês nasceram com microcefalia em decorrência do vírus Zika e mais de 50 mil casos de Dengue foram notificados.

Além dos óbitos, outras consequências podem ser relacionadas a essas doenças como dores articulares, diminuição da renda de pessoas afetadas até o aumento dos gastos com a saúde pública. Diante de tantos danos, há de se procurar a origem desse mal. E é aí que a discussão começa.

Em Fortaleza, não é incomum encontrar pontos de lixo acumulado pelas ruas. “Historicamente, Fortaleza é uma cidade suja e esse é um dos problemas que mais têm me incomodado", afirmou o prefeito Roberto Cláudio em entrevista ao jornal Diário do Nordeste ainda em 2014.

O lixo acumulado por si só não é considerado um foco de reprodução do mosquito. Se levarmos em consideração que o ciclo - para que o ovo ecloda e surja um novo mosquito - é de sete dias, não há tempo hábil para que uma rampa de lixo, por exemplo, se torne um foco.

“O lixo na rua é removido cerca de 3 dias por semana. Mesmo naqueles casos em que quando se limpa, e no outro dia já tem lixo naquele local, não há tempo de o mosquito colocar ovo ali”, comenta Eduardo Amêndola, técnico em Vigilância Municipal da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.

A questão do lixo é cultural. O problema é que as pessoas guardam o lixo de forma errada, é o que afirma Carlos Alencar, biólogo e doutor em saúde coletiva. “Muitas vezes a pessoa joga o lixo no terreno baldio, mas ele não vai sozinho, alguém jogou lá. Portanto eu penso que a coleta de lixo deveria ser todos os dias”, completa.

Nesse ponto entra um ‘embate’ de culpados. Para Carlos Everaldo Coimbra , doutor em antropologia e pesquisador titular na Escola Nacional de Saúde Pública/ Fundação Oswaldo Cruz, a propaganda da saúde pública coloca muito a culpa nas pessoas. “Claro que todo mundo tem sua parcela, mas será que a o poder público faz de verdade a sua parte?”, questiona. “É muito fácil jogar a culpa nas pessoas, nós somos a ponta mais fraca”.

 

Em Fortaleza, há 1.735 agentes para uma população de mais de 2.500 milhões de habitantes. Por isso, segundo Eduardo, a população tem que eliminar os focos mecanicamente porque dificilmente “podemos estar toda semana na sua casa”, justifica. “Se considerarmos que o Município tem mais de um milhão de imóveis, o que dificulta a visita dentro de um curto espaço de tempo em todos eles, então a participação da população é fundamental”, comenta Eduardo.

Para além dos hábitos de limpeza, há um problema estrutural. Apesar de mais de 90% da Capital ter abastecimento de água, em alguns pontos ele ainda é ineficiente. Para se prevenir, muitas pessoas estocam água em casa, e é aí que o perigo mora.

Andréa Sobral, pesquisadora em Saúde Pública do Departamento de Endemias Samuel Pessoa / Fundação Oswaldo Cruz, explica que quando há irregularidade no abastecimento de água, há uma situação que pode levar a proliferação do Aedes aegypti.

 

“Uma vez que a irregularidade desse serviço faz com que a população busque formas de armazenamento que na maioria das vezes não recebem os cuidados necessários e acabam tornando-se focos do mosquito porque não são vedados completamente, impondo assim a manutenção de inúmeros reservatórios de água nos domicílios”, afirma.

 

Para a pesquisadora, a comunicação entre poder público e população é o grande problema, pois está voltada principalmente para a participação individual e não coletiva. “A população precisa entender que as doenças transmitidas pelo Aedes, antes de ser uma doença do indivíduo, é principalmente um problema coletivo”, conclui Andrea.

Lixo acumulado em calçadas em canteiros 'enfeiam' a cidade mas não são considerados pontos de proliferação de Aedes Aegypti. Fotos foram tiradas com um dia de diferença. Foto: Larissa Pacheco / Especial Epidemia

Desde 2014, mais de 50 mil casos de Dengue foram notificados no Estado

Há 1.735 agentes em Fortaleza para uma população de mais de 2.500 milhões

O médico Dráuzio Varela participou de propaganda veiculada pela Prefeitura de Fortaleza.

Foto: Reprodução.

O que nos faz doentes?

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